IA e o acordo entre TSE e Anatel para combater desinformação eleitoral

Por Bernardo Fico, Josie Menezes e João Pedro Nazareth.

Publicado originalmente no Jota.

Foi recentemente noticiada a celebração de Acordo de Cooperação Técnica entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que tem como escopo o combate à desinformação, possibilitando respostas mais imediatas e menor morosidade no cumprimento de determinações de remoção de conteúdo que dissemine informações falsas.

O uso malicioso de plataformas digitais como meio para o compartilhamento e disseminação de notícias falsas de teor político-eleitoral tem impactado processos democráticos ao redor do mundo. Especialmente a partir das eleições presidenciais de 2018, esse fenômeno foi observado no Brasil, instando instituições públicas a tentativas de contenção e condenação dessa prática.

Diante desse cenário, ainda em 2021, por força da Portaria TSE 510/2021, o TSE torna permanente o Programa de Enfrentamento à Desinformação, iniciativa que conta com propósito muito semelhante ao do acordo há pouco celebrado. Quando instituído o programa, ainda no ano de 2019, o tribunal podia já verificar as tendências mundiais de promoção de fake news, assim como constatar a chegada de tais práticas aos pleitos eleitorais brasileiros, razões pelas quais promoveu esta iniciativa como mecanismo de prevenção da reincidência da propagação de desinformação nas eleições municipais de 2020.

No entanto, muito se alterou desde então, principalmente com o uso de ferramentas de IA para geração de conteúdo abusivo. Tem sido sustentado, nesse sentido, que o pleito argentino de 2023 – do qual sai vencedor Javier Milei (La Libertad Avanza) – tenha sido a primeira das eleições em que foi efetivamente difundido o uso de Inteligências Artificiais, o que propicia seu emprego com finalidades legítimas tanto quanto com propósitos enganosos e ilícitos.

O reconhecimento da complexidade e dos desafios suscitados pelo uso de instrumentos de IA em ambientes político-eleitorais levou, inclusive, a Meta – companhia que detém as aplicações Facebook e Instagram – à adoção de medidas de prevenção, nos termos das quais exigir-se-á a divulgação do eventual emprego de softwares de Inteligência Artificial em publicidades eleitorais. Conforme a nova diretriz da plataforma, anunciantes deverão informar os usuários quando um anúncio tenha sido criado digitalmente ou alterado para ‘retratar uma pessoa real dizendo ou fazendo algo que não disse ou fez’; ‘retratar uma pessoa de aparência realista que não existe ou um evento de aparência realista que não aconteceu, ou alterar a filmagem de um evento que aconteceu’; ou ‘retratar um evento realista que supostamente ocorreu, mas que não seja uma imagem, vídeo ou gravação de áudio verdadeira do evento’.

Tais preocupações são compartilhadas por representantes de instituições democráticas brasileiras, e motivaram a celebração do acordo entre TSE e Anatel. O ministro Alexandre de Moraes, atual presidente do TSE, afirma que:

“[a] desinformação, que já foi ampliada com o instrumento descontrolado das redes sociais, a partir de agora ganha um novo e problemático fator: a Inteligência Artificial.” Inteligência Artificial: Desinformação e Democracia. Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV EMCI); Empresa Brasil de Comunicação (EBC); FGV Conhecimento.

Na mesma oportunidade, o ministro reconheceu como imprescindível a celeridade no combate à desinformação[1], tendo em vista o ‘passo além’ da tecnologia, com a produção de deepfakes, em formato de vídeo ou áudios que simulam declarações falsas de candidatos em níveis espantosos de fidedignidade.

O Acordo de Cooperação Técnica celebrado busca encontrar mecanismos para enfrentar tais usos abusivos da tecnologia, por meio da integração entre os sistemas das instituições. Anteriormente, conforme informado pelo Presidente da Anatel, Carlos Baigorri[2], as determinações de remoção de conteúdos ou sítios eletrônicos provenientes do TSE eram realizadas por meio de Oficiais de Justiça, fazendo com que o processo e a efetiva remoção das informações contassem com maior morosidade e dispêndio de verbas públicas.

Por força da instituição do Acordo, será possível que o TSE notifique a Anatel eletronicamente a respeito de sítios e conteúdo que devam ser retirados de circulação; em outras palavras, haverá comunicação por meio eletrônico entre os órgãos, de forma direta, implicando aumento da celeridade e da eficiência da prestação jurisdicional a partir da tramitação de processos em meio eletrônico; redução dos custos indiretos decorrentes da comunicação da decisão judicial (custos de transação), o que se dará em diminuição do deslocamento físico das partes para tanto; o desenvolvimento de políticas de combate ao fenômeno da desinformação; e a premência no cumprimento das decisões judiciais para bloqueio de sites, que tem como premissa assegurar a democracia e reduzir a desinformação e o engano, por meio do combate às informações falsas ou manipuladas nas redes sociais.


[1] “Isso é ofensa proferida. Depois que a ofensa é proferida, por mais que se responsabilize, não se consegue retornar ao status quo; você não consegue … tirar um pouco da dúvida do que surgiu. Imaginem isso … com a utilização da Inteligência Artificial. Quantas e quantas pessoas terão acesso a vídeos falsos e declarações falsas. … Essa agressão, principalmente com a utilização da Inteligência Artificial, pode realmente mudar o resultado eleitoral, pode desvirtuar o resultado eleitoral principalmente em eleições extremamente polarizadas”.

[2] “O acordo serve justamente para trabalharmos juntos, em parceria, no que diz respeito ao combate à desinformação e às fake news nos processos eleitorais. No último ano, nós recebemos diversas determinações e julgamentos do Tribunal para retirar do ar sites, conteúdos e aplicativos que estavam disseminando desinformação e colocando em risco o processo eleitoral. O que acontece é que essas determinações eram enviadas por meio de oficiais de Justiça. Isso fazia com que o processo fosse mais moroso. O acordo de cooperação serve para integrarmos os nossos sistemas para que toda essa comunicação seja mais fluida, de forma eletrônica, para que a Anatel possa dar cumprimento às decisões da Justiça Eleitoral da forma mais rápida possível, protegendo, assim, o eleitor e as eleições”.

BERNARDO FICO – Mestre em Direito pela Northwestern University, bacharel em Direito pela USP, especializado em Direito Digital, Direitos Humanos e Direitos LGBT, Diretor Executivo da Lawgorithm*}, gestor institucional do Legal Grounds Institute e sócio do Maranhão & Menezes Advogados
JOSIE MENEZES – Advogada, bacharel em direito pela PUC-SP e mestre em direito administrativo pela mesma instituição. Coordenadora do Núcleo de Infraestrutura do Legal Grounds Institute, membro do Comitê de Regulação do IBRAC e sócia-nominal do Maranhão & Menezes
JOÃO PEDRO NAZARETH BUZONE – Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) com intercâmbio acadêmico na University of Leeds (Reino Unido), bolsista PIBIC CNPq em temática voltada à ciência política e estagiário do Maranhão & Menezes Advogados

Sobre o autor
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Bernardo Fico

Gestor Institucional do Legal Grounds Institute. Mestre em Direito Internacional pela Northwestern Pritzker School of Law, Pós-Graduado em Direito Digital pela UERJ e Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Possui cursos de concentração em Direitos Humanos (Stanford 2016), Direito Internacional (OEA-RJ, 2017), Human Rights Advocacy (Lucerne 2017), e Media Law (Oxford, 2018) além de Diploma Superior en Diversidad Sexual y Derechos Humanos (CLACSO, 2018).
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Bernardo Fico

Gestor Institucional do Legal Grounds Institute. Mestre em Direito Internacional pela Northwestern Pritzker School of Law, Pós-Graduado em Direito Digital pela UERJ e Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Possui cursos de concentração em Direitos Humanos (Stanford 2016), Direito Internacional (OEA-RJ, 2017), Human Rights Advocacy (Lucerne 2017), e Media Law (Oxford, 2018) além de Diploma Superior en Diversidad Sexual y Derechos Humanos (CLACSO, 2018).

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