Mercado de carbono: os PLs e suas justificativas constitucionais

Regulamentação no Brasil é crucial para desenvolver nossa indústria de forma sustentável

A regulamentação do mercado de carbono no Brasil é crucial para atender aos compromissos de redução de emissões, proteger nossos biomas e desenvolver nossa indústria de forma sustentável. Dentre as diversas iniciativas legislativas, destaca-se como paradigma atual de discussão o substitutivo do PL 2148/2015, o mais antigo em tramitação sobre o tema, aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2023.

A redação final e a justificativa apresentada no relatório encaminhado ao plenário foram aqui objeto de análise, em especial comparando-os com o parecer e com a minuta final aprovados pela Comissão do Meio Ambiente do Senado no PL 412/2022 em agosto de 2023.

Deste breve exame, notou-se que ambos os substitutivos se utilizam de construção similar para estabelecer e codificar dispositivos que subdividem as negociações decorrentes da redução de gases de efeito estufa em três sub-mercados: o regulado, o voluntário e o jurisdicional.

A coincidência do mérito parece ser natural, conforme se apresentará a seguir, ainda que os relatores se utilizem de preceitos constitucionais distintos para a construção e defesa de suas minutas.

Reconhecendo que se trata de uma questão vinculada à ordem econômica, o parecer do PL 412 cita nominalmente o art. 170 da CF, mas dá enfoque na defesa do meio ambiente (inciso IV), amparando ainda sua justificativa no direito social de equilíbrio ecológico (art. 225 da CF) e na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187, de 2009).

Com este pano de fundo, a Comissão de Meio Ambiente do Senado propõe um texto que estrutura o sistema cap-and-trade do submercado regulado, mas opta por não especificar conceitos necessários à segurança jurídica do submercado voluntário. São expressões presentes em legislações e negócios jurídicos tais como “abordagem de mercado”“abordagem de não mercado”“projetos” “programas”, que estão conjugadas no inciso XXII do art. 2º e direcionados para posterior regulamentação pelo CONAREDD+.

E enquanto restarem pendentes essas definições a nível federal, os governos dos estados contarão com caminho aberto para multiplicar as legislações estaduais sobre serviços ambientais, trazendo mais ruído ao maior dos problemas: a ausência de definição sobre a natureza jurídica e a titularidade dos créditos de carbono.

Esta situação se agrava ao verificar que o art. 43 vincula a titularidade dos créditos de carbono ao registro na entidade que os emite – as certificadoras, naquele texto são denominadas “emissoras”. Tem-se, portanto, que o texto legal atribuiu às certificadoras a decisão sobre as regras e os requisitos que um projeto deve obedecer para gerar ativos verificáveis, inclusive sobre o nível de averiguação dos documentos que vinculem o bem ao desenvolvedor, o que não parece fornecer adequada segurança jurídica ao ambiente negocial.

Primeiro porque há diversas certificadoras e metodologias de registro. E segundo porque as entidades mais consolidadas estão baseadas nos Estados Unidos e na Europa, divorciadas da concretude de nossa realidade.

Como segunda instância de análise se apresentaria o CONAREDD+, que recebeu a atribuição de definir o que seriam os “projetos”“programas” e “abordagem de mercado” para fins de REDD+, conforme posto no mencionado inciso XXII do art. 2º. Por ser um conselho vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e ao governo de ocasião, estas definições poderiam ser modificadas a depender da orientação política, o que traria um segundo grau de variabilidade para decisões sobre natureza jurídica e titularidade.

E como terceira instância se apresentaria o Poder Judiciário, que forneceria uma série de conceituações e definições nos diversos juízos até que se alcançasse uma pacificação promovida pelas Cortes Superiores.

Fomentar-se-ia então um cenário de corrida em que os negociantes dos submercados voluntário e jurisdicional disputariam as reduções de emissões sobre os mesmos bens, em especial aquelas vinculadas à terra, porque a redução do desmatamento e da degradação florestal e os outros mecanismos reconhecidos de REDD+ estão vinculados ao seu usufruto e tem enorme potencial em razão da extensão do nosso território.

É em razão da antecipação destes conflitos que a justificativa apresentada na Câmara cita os princípios constitucionais da propriedade privada (art. 5º, XXII), do usufruto de comunidades tradicionais (art. 231, § 2º) e dos demais incisos da ordem econômica (art. 170) para aprofundar os conceitos abertos e vincular os créditos de carbono aos bens que servem para sua geração.

Antes de se ingressar nos detalhes, é de se apontar que a redação final do PL 2148 não cria regras adicionais em relação ao sistema cap-and-trade do submercado regulado, e apenas promove alterações nos submercados voluntário e jurisdicional para garantir que não haja sobreposição ou dupla contagem, ainda que na regra geral de ambos os projetos estes ativos sequer sirvam para abater a meta proposta pelo Brasil no seu NDC.

Desta feita, a minuta aprovada no plenário da Câmara define a natureza jurídica do crédito de carbono como sendo de fruto civil e se propõe a especificar os titulares do crédito de carbono, excetuando o direito de fruição destes em prol dos programas de redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa realizados diretamente pelo poder público, em escala nacional ou estadual, sob sua jurisdição, com abordagem de mercado – os programas jurisdicionais de crédito de carbono “REDD+ abordagem de mercado”.

Como se trata de uma exceção legal em favor do Estado, todavia, suas condições foram previamente definidas, são restritas e explícitas, e estão postas no art. 2º, XXVII. Dentre essas condições destacam-se duas: a possibilidade de opt-out, na qual os proprietários e usufrutuários, por simples comunicação ao CONAREDD+, podem exercer o direito de ter seu imóvel excluído dos programas jurisdicionais, sem qualquer exigência ou condicionante; e a proibição de venda antecipada de créditos de carbono pelos entes públicos.

Neste cenário, em um aprofundamento do texto do Senado, o amplo conceito de REDD+ que conjugava todas essas expressões sem especificá-las foi retirado e substituído pelos conceitos de REDD+: abordagem de mercado (art. 2º, XXXI) e abordagem não mercado (art. 2º, XXXII), conforme definido pelo Marco de Varsóvia, e pontuando os diferentes tipos de projetos e programas (art. 2º, XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX).

O PL 2148, portanto, busca promover a segurança jurídica e a eficiência do mercado de carbono, oferecendo uma aplicação concreta e equilibrada do artigo 170 da Constituição, ao integrar os diversos direitos e princípios constitucionais que devem ser observados na ordem econômica em consonância com a defesa do meio ambiente prevista no inciso VI e no art. 225.

Dito isto, não parece ser uma escolha entre dois modelos. Trata-se um texto robusto, vindo do Senado, que estruturou os temas, mas optou por não aprofundar os conceitos, conjugando toda a agenda para regulamentação posterior do CONAREDD+, do Executivo e das legislações estaduais.

Tem-se, como complemento, uma minuta mais aprofundada em conceitos e previsões, alcançada por meio dos debates e experiências dos diversos pareceres elaborados na Câmara desde 2015, que ressalta a importância da definição dos direitos de propriedade para a instituição desse novo mercado em todos os seus âmbitos.

Isso permitirá que as partes negociem diretamente, minimizando custos e maximizando o bem-estar social, conforme as teorias mais consolidadas sobre os custos de transação, impactando também a integração com mercados internacionais e a capacidade de alcançar metas de redução de emissões de forma eficaz.

Sobre o autor
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Maria Gabriela Grings

Coordenadora do Legal Grounds Institute. Mestre e Doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Advogada.
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Maria Gabriela Grings

Coordenadora do Legal Grounds Institute. Mestre e Doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Advogada.

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