Parcerias público-privadas na implementação da PNED: benefícios e riscos

Sílvio Campos[1] e Paloma Mendes Saldanha[2]

Observatório de Educação Digital (PNED): uma parceria entre Legal Grounds Institute e PlacaMãe.Org_

A implementação da Política Nacional de Educação Digital (PNED) representa um importantíssimo marco para a modernização da educação no Brasil. Com o objetivo de democratizar o acesso à tecnologia e promover a inclusão e a capacitação digital de professores e corpo discente, a PNED visa integrar ferramentas digitais ao cotidiano educacional, preparando estudantes para os desafios de uma sociedade cada vez mais conectada.

No entanto, uma questão central para a viabilização dessa política é a necessidade de infraestrutura tecnológica, o que leva a um olhar atento sobre o papel das Parcerias Público-Privadas (PPPs) nesse contexto. Ao unir os recursos e expertise do setor privado com a capacidade de governança do setor público, essas parcerias podem acelerar a construção e a manutenção de redes digitais, além de possibilitar a distribuição de equipamentos e o desenvolvimento de plataformas educacionais.

Benefícios das Parcerias Público-Privadas na PNED

O principal benefício que pode ser apontado das PPPs na implementação da PNED é a rapidez na execução de projetos. Enquanto o setor público enfrenta limitações orçamentárias e burocráticas que atrasam o avanço dos projetos, o setor privado pode oferecer a agilidade necessária para viabilizar a infraestrutura digital de maneira mais rápida e eficiente. Além disso, a expertise técnica das empresas privadas no desenvolvimento de novas tecnologias pode garantir soluções inovadoras para problemas como a conectividade em regiões remotas e o desenvolvimento de plataformas educativas adaptadas às necessidades locais.

Outro ponto positivo é o compartilhamento de custos. Com a participação privada, o investimento inicial por parte do governo pode ser diluído, permitindo que mais recursos sejam direcionados a outras áreas críticas da educação, como a formação de professores e a produção de conteúdo digital de qualidade.

As PPPs também oferecem oportunidades para o aprimoramento contínuo das soluções adotadas. O setor privado, motivado por incentivos financeiros, tende a investir na inovação e manutenção das plataformas digitais, garantindo que a infraestrutura oferecida esteja sempre atualizada e em linha com as melhores práticas internacionais.

Um caso de sucesso que pode ser citado é o ocorrido em Poços de Caldas, que desenvolve algumas atividades em suas escolas municipais, desde 2022, juntamente com a empresa Recreativa. Essa iniciativa fez a cidade se tornar pioneira ao implantar em 100% de suas escolas um projeto de digitalização educacional, com maior conectividade, internet de alta velocidade e plantão didático aos professores, entre outros.[3] Contudo, a prefeitura reconhece que os conceitos de letramento digital ainda não estão familiarizados entre os educadores: “O fato de a BNCC trazer a obrigatoriedade da cultura digital, computação e, mais recentemente, o sancionamento da Pned para dentro das escolas, tem feito os educadores se abrirem mais para essas mudanças”.[4]

Assim, diante dos benefícios que as PPPs podem trazer ao avanço da Educação Digital nas escolas brasileiras, há que se analisar os desafios que a implementação da PNED ainda apresenta aos educadores e aos gestores públicos e educacionais, como a compreensão e clareza sobre letramento digital e sua função social. Pois, conforme Paloma Saldanha (2023, p.229),

Ao entender que o letramento digital tem uma função social a ser exercida e que o uso frequente de artefatos tecnológicos conectados à Internet promove a necessidade de entender não só o que é a ferramenta, mas também os níveis de impactos sociopolítico-econômico causados por ela, passa-se a visualizar os danos à cidadania e, consequentemente, à democracia. Isto porque, o direcionamento de discurso atrelado à desinformação, por exemplo, é produto de uma sociedade analfabeta digital.

Riscos Envolvidos nas PPPs para Educação Digital

Por outro lado, as PPPs, na implementação da PNED, também apresentam riscos significativos, que não podem ser ignorados. Um dos principais desafios enfrentados é o potencial de desequilíbrio entre o interesse público e os objetivos do setor privado. As empresas, em busca de resultados financeiros, podem priorizar áreas mais rentáveis, o que poderia resultar na exclusão de regiões ou populações que não geram retornos financeiros imediatos, o que pode acentuar as desigualdades regionais e educacionais, tão aparentes no Brasil.

Além disso, existe o risco de dependência tecnológica. Ao delegar o desenvolvimento e a manutenção da infraestrutura digital ao setor privado, o Estado pode se tornar excessivamente dependente de fornecedores específicos, perdendo o controle sobre as tecnologias adotadas e dados educacionais importantes, podendo comprometer a soberania digital e, a longo prazo, dificultar a autonomia do setor público na gestão da educação digital.

Outro ponto crítico é a questão da transparência e controle social. A utilização de PPPs pode levar a processos decisórios pouco transparentes, dificultando a fiscalização por parte da sociedade civil e criando brechas para práticas abusivas ou ineficientes quanto às questões voltadas à proteção de dados pessoais, por exemplo. Assim, entende-se que garantir mecanismos de monitoramento e avaliação contínuos é fundamental para mitigar esse risco.

Impactos no acesso e qualidade da educação digital

Em março deste ano, durante o Evento Educação Conectada, evento realizado pela TeleTime, foram compartilhadas algumas experiências de iniciativas do setor privado nos esforços de conectividade em escolas. Na ocasião, foi reconhecido que o principal desafio era tornar o processo simples para os gestores escolares, diante da necessidade de capacitação dos professores,  problemas de conectividade, desconfiguração de sistemas de WiFi, entre outros.[5]

Ainda, José Roberto Nogueira, CEO da Brisanet, defendeu que há muita relevância na busca por recursos do FUST com condições subsidiadas, para conectividade, de forma que o modelo ideal seria a criação de clusters para diversificação da quantidade de fornecedores e aproveitamento do potencial dos operadores regionais.[6]

As parcerias público-privadas podem ter impactos diretos e indiretos no acesso e na qualidade da educação digital oferecida no Brasil. No que diz respeito ao acesso, as PPPs têm o potencial de ampliar significativamente a inclusão digital, levando tecnologia para escolas em regiões de difícil acesso e melhorando a infraestrutura em áreas urbanas. No entanto, se mal estruturadas, essas parcerias podem também agravar desigualdades, priorizando áreas com maior retorno financeiro e deixando de lado comunidades mais vulneráveis.

Em relação à qualidade da educação digital, a introdução de novas tecnologias e plataformas pode enriquecer o aprendizado, tornando-o mais interativo, dinâmico e conectado às demandas do século XXI. No entanto, a qualidade depende não apenas da infraestrutura, mas também de como se utiliza a estrutura fornecida. Ou seja, depende, ainda, da formação dos professores e da adequação dos conteúdos ministrados em modalidade formativa para o público-alvo da parceria. Nesse sentido, a implementação da PNED via PPPs deve ser acompanhada de políticas robustas de formação docente e de criação de conteúdos educacionais que respeitem a diversidade cultural e regional do país, fortalecendo o ambiente digital de forma ética e equilibrada no território nacional.

Considerações Finais

As Parcerias Público-Privadas são um instrumento poderoso para viabilizar a implementação da PNED, mas devem ser tratadas com bastante cautela. Se bem estruturadas, elas podem acelerar a universalização da educação digital de qualidade no Brasil. Contudo, é essencial que essas parcerias estejam fundamentadas em princípios de transparência, equidade e controle social, garantindo que o interesse público seja sempre priorizado e os direitos constitucionais sejam sempre garantidos.

A discussão sobre os benefícios e riscos das PPPs na educação digital deve continuar a ser um tema central na agenda pública, especialmente no contexto da crescente digitalização do ensino. Somente assim será possível garantir que a PNED cumpra seu papel de promover uma educação inclusiva e de qualidade para todos, sem comprometer os princípios fundamentais de justiça e igualdade.

Referências

SALDANHA, Paloma Mendes. Letramento Digital como ferramenta necessária para a construção de uma cidadania digital. In: OLIVEIRA, Adriana Carla et al. Elas na Proteção de Dados do Brasil: vivências e práticas no Poder Público: volume 1. 1ª ed. Salvador: Motores, 2023.

REVISTA EDUCAÇÃO. A educação digital se tornou obrigatória nas escolas públicas. E agora?. Disponível em: < https://revistaeducacao.com.br/2023/05/16/educacao-digital-escolas-publicas/#:~:text=Uma%20parceria%20p%C3%BAblico%2Dprivada%20foi%20a%20solu%C3%A7%C3%A3o%20para,na%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20continuada%20de%20professores%20e%20alunos >. Acesso em 23.09.2024.

TELETIME. Integração, recursos e diálogo: as lições do setor privado na conexão de escolas. Disponível em: < https://teletime.com.br/28/03/2024/integracao-acesso-a-recursos-e-dialogo-as-licoes-do-setor-privado/>. Acesso 23.09.2024.


[1] Silvio Campos é Especialista em Direito Administrativo pela FGV Direito SP e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Certificado em Proteção de Dados pela EXIN e pela Opice Blum Academy. Advogado em São Paulo, atuante nas áreas de Proteção de Dados, Direito Público e Direito Digital. Membro pesquisador do Legal Grounds Institute.

[2] Paloma Mendes Saldanha é Professora permanente do Programa de pós-graduação em Direito e Inovação e professora colaboradora do Mestrado de Indústrias Criativas, ambos da Universidade Católica de Pernambuco, onde também é professora da graduação de Direito e de Sistemas para Internet. Pesquisadora em direitos e tecnologias na mesma instituição. Como Consultora em privacidade, proteção de dados e educação digital na MS Educação e Consultoria, ela também coordena projetos voluntários de educação digital da PlacaMãe.Org_.  É a atual Presidente da Comissão de Direito e da Tecnologia da OAB/PE. É escritora e o seu último livro publicado foi de poesia.

[3] Disponível em: < https://revistaeducacao.com.br/2023/05/16/educacao-digital-escolas-publicas/#:~:text=Uma%20parceria%20p%C3%BAblico%2Dprivada%20foi%20a%20solu%C3%A7%C3%A3o%20para,na%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20continuada%20de%20professores%20e%20alunos >. Acesso em 23.09.2024.

[4] Disponível em: < https://revistaeducacao.com.br/2023/05/16/educacao-digital-escolas-publicas/#:~:text=Uma%20parceria%20p%C3%BAblico%2Dprivada%20foi%20a%20solu%C3%A7%C3%A3o%20para,na%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20continuada%20de%20professores%20e%20alunos >. Acesso em 23.09.2024.

[5] Disponível em: < https://teletime.com.br/28/03/2024/integracao-acesso-a-recursos-e-dialogo-as-licoes-do-setor-privado/>. Acesso 23.09.2024.

[6]  Disponível em: < https://teletime.com.br/28/03/2024/integracao-acesso-a-recursos-e-dialogo-as-licoes-do-setor-privado/>. Acesso 23.09.2024.

Sobre o autor
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Francisco Cavalcante

Gestor Executivo no Legal Grounds Institute. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Possui formação técnica em Eletromecânica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Coordenador do Observatório do Direito à Educação da Universidade de São Paulo (USP). Membro associado da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED). Alumni em Governança da Internet pela South School on Internet Governance (SSIG), onde cursa Diplomatura Universitaria en Gobernanza y Regulaciones de Internet, participante do Programa Youth 2024, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), e do Registro de Endereços da Internet para a América Latina e o Caribe (LACNIC 40). Participa recorrentemente de fóruns internacionais representando a juventude brasileira como Embaixador, entre eles: Brazil Conference at Harvard&MIT, Young Americas Forum/Summits of the Americas e One Young World Summit.
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Francisco Cavalcante

Gestor Executivo no Legal Grounds Institute. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Possui formação técnica em Eletromecânica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Coordenador do Observatório do Direito à Educação da Universidade de São Paulo (USP). Membro associado da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (REED). Alumni em Governança da Internet pela South School on Internet Governance (SSIG), onde cursa Diplomatura Universitaria en Gobernanza y Regulaciones de Internet, participante do Programa Youth 2024, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), e do Registro de Endereços da Internet para a América Latina e o Caribe (LACNIC 40). Participa recorrentemente de fóruns internacionais representando a juventude brasileira como Embaixador, entre eles: Brazil Conference at Harvard&MIT, Young Americas Forum/Summits of the Americas e One Young World Summit.

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