A necessidade premente de capacitação dos professores na PNED

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Por Milton Pereira, Alessandra Borelli e Thami Covatti, do Observatório de Educação Digital do Legal Grounds Institute e PlacaMãe. Publicado originalmente no Migalhas.

No atual cenário educacional, integrar as novas tecnologias na rotina pedagógica está longe de ser uma prerrogativa das instituições de ensino, é uma necessidade. O avanço de ferramentas capazes de impactar severamente o processo de ensino-aprendizagem tem se mostrado inevitável. Neste contexto, para que estes impactos sejam predominantemente positivos, é fundamental que haja uma atuação direcionada e estratégica por parte dos agentes envolvidos.
Reconhecendo essa necessidade, foi sancionada, em 11 de janeiro de 2023, a lei 14.533/23, que estabelece a PNED – Política Nacional de Educação Digital,1 um marco importante para a promoção do acesso às ferramentas digitais e práticas educativas inovadoras em todo o território brasileiro, priorizando especialmente as populações mais vulneráveis.
A PNED é uma iniciativa que reflete a preocupação e o reconhecimento da importância da tecnologia na educação. Sendo assim, com o objetivo de promover a integração das tecnologias digitais nas práticas educativas, essa lei busca proporcionar uma educação moderna, inclusiva e alinhada com as demandas do século XXI.
Contudo, há de se ponderar que, para que essa transformação digital seja efetiva e abrangente, é essencial reconhecer a importância da capacitação dos professores. Afinal, como estruturar e incentivar o ensino de computação, programação e robótica nas escolas sem que os professores sejam capacitados para tanto? E quanto ao dever de cuidado e direcionamento desses recursos para o uso ético, consciente, seguro e saudável?
Observa-se que, de maneira simultânea, os docentes atuam como viabilizadores e destinatários de muitas das diretrizes que permeiam os eixos estruturantes da PNED.2 Ao enumerar as estratégias prioritárias da inclusão digital, o documento clama, já no inciso VI de seu art. 2º, pela necessária “promoção de uma política de dados, inclusive de acesso móvel para professores […]”.
A tônica de capacitação destes se estende às medidas do pilar de educação digital escolar (art. 3º, §1º, III, IX e X) que preconizam a promoção: a) “de ferramentas de autodiagnóstico de competências digitais para os profissionais da educação […]”; b) “da formação inicial de professores da educação básica e da educação superior em competências digitais ligadas à cidadania digital e à capacidade de uso de tecnologia, independente de sua área de formação”; e c) “de tecnologias digitais como ferramenta e conteúdo programático dos cursos de formação continuada de gestores e profissionais da educação de todos os níveis e modalidades de ensino”.
Além disso, o documento de articulação nacional da educação digital incentiva “ações para formação de professores com enfoque nos fundamentos da computação e em tecnologias emergentes e inovadoras” (art. 4º, VIII), assim como a “criação de estratégia para formação e requalificação de docentes em TICs e em tecnologias habilitadoras” (art. 5º, VI), respectivamente, por intermédio dos eixos de capacitação e especialização digital, e de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias da informação e comunicação (TICs).
Não obstante tal disciplinamento normativo se mostre valioso, a concretização das medidas listadas perpassa a superação de uma série de obstáculos na capacitação dos docentes, explicitados pela pandemia da covid-19. Concebida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.Br) nesse período, sob a perspectiva do ensino fundamental e médio, a pesquisa “TIC Educação 2021”, retrata o panorama da categoria – composta, em sua maioria, por profissionais com formação superior (97%) e especialização ou pós-graduação (81%), mas que pouco ascendem às esferas de mestrado (9%) e doutorado (1%).3
 Tendo em vista que a aprendizagem se baseia numa relação dialética, o desafio inicial com que se deparam consiste em interagir com alunos que “enfrentam dificuldades, mas têm acesso à alimentação, moradia e saneamento básico” (51%) ou que apenas dispõem de condições precárias para satisfazer tais necessidades mínimas (17%).
Munidos de um nível básico (28%), intermediário (59%) ou avançado (13%) de domínio do emprego das ferramentas digitais nas atividades de ensino, os professores usualmente logram essa formação de maneira autodidática (86%), com a ajuda de seus pares (86%) ou a partir de vídeos ou tutoriais online (92%).
Sob o contexto pandêmico, no qual 98% das escolas examinadas aderiram ao modelo remoto ou híbrido, a inaptidão para desenvolver tarefas com o auxílio tecnológico representou uma das principais dificuldades apontadas para se dar prosseguimento às incumbências pedagógicas (68%), junto à “falta de dispositivos e acesso à Internet nos domicílios dos alunos” (86%) – métrica já analisada no artigo “A diversidade brasileira e a Política Nacional de Educação Digital”, que inaugura a série de escritos do Observatório de Educação Digital, idealizado pela Placa Mãe.org_ e pelo Legal Grounds Institute.4
De igual forma, a ausência de apoio pedagógico aos professores foi destacada como um fator que obstaculariza, em demasia, a utilização das TICs nas escolas (40%). O índice se torna mais preocupante quando se observa que uma considerável porção dos profissionais não recebeu qualquer suporte das instituições de ensino durante o período de referência da pesquisa (26%) e que o amparo ofertado se concentrou no acesso gratuito a aplicativos, plataformas e recursos educacionais digitais (60%).5
Verificou-se que aproximadamente 1,5 milhão de professores (65%)6 participou de atividades de formação continuada sobre o uso de tecnologias digitais em atividades de ensino e de aprendizagem, cujas temáticas abrangeram desde a educação à distância até a proteção à privacidade e a dados pessoais no acesso à Internet.
A continuidade de projetos desse tipo pode garantir um ensino de qualidade e em consonância aos balizamentos da  PNED, viabilizado por professores capacitados para compreender e transmitir habilidades de pensamento crítico, ética digital e uso responsável das novas tecnologias.
Ora, apenas assimilando e sendo capazes de despertar nos estudantes a reflexão sobre os impactos sociais, emocionais e cognitivos que o uso excessivo ou inadequado das novas tecnologias pode gerar – assim como sobre os benefícios e os possíveis riscos a elas associados -, que os docentes poderão formar cidadãos digitais mais responsáveis, críticos e habilidosos no uso de ferramentas tecnológicas.
 Além disso, um professor bem treinado será capaz de incorporar recursos digitais em suas aulas, estimulando a participação ativa dos alunos e facilitando a compreensão dos conteúdos. Ademais, o domínio das tecnologias permite aos educadores acessar uma infinidade de recursos educacionais disponíveis online, enriquecendo suas práticas pedagógicas e tornando-as mais atualizadas, relevantes e inclusivas.
Sob tal perspectiva, convém então destacar que, com a PNED, espera-se que as escolas estejam equipadas com recursos tecnológicos, mas é fundamental garantir que os educadores saibam como utilizá-los de maneira a atender às necessidades de todos. Somente se devidamente capacitados, professores estarão aptos a adaptar as tecnologias para atender estudantes com diferentes estilos de aprendizagem, deficiências ou dificuldades específicas, contribuindo diretamente para uma educação mais inclusiva e igualitária.
Percebe-se que a implementação da Política Nacional de Educação Digital representa um importante avanço para a educação em nosso país, mas para que alcance seu máximo potencial, é essencial investir na formação sólida e contínua dos professores. Sim, contínua, porque a tecnologia está em constante evolução, e novas ferramentas e abordagens surgem todos os dias. Portanto, é essencial que tenham acesso a oportunidades de atualização e aperfeiçoamento ao longo de suas carreiras.
Além disso, é fundamental que a capacitação dos professores leve em consideração as especificidades e necessidades de cada contexto escolar. Cada escola possui sua própria realidade e infraestrutura, de modo que os professores devem receber suporte e orientação adaptados às suas circunstâncias. Isso pode incluir programas de capacitação presenciais ou online, redes de compartilhamento de boas práticas, mentorias e parcerias com instituições de ensino superior e centros de pesquisa, entre outras iniciativas.

Por fim, a Política Nacional de Educação Digital representa uma iniciativa promissora para impulsionar a transformação da educação em nosso país. No entanto, para que a PNED atinja seu objetivo de promover uma educação moderna e inclusiva, é fundamental reconhecer a necessidade e investir na capacitação dos professores. Ao fornecer aos educadores as habilidades e conhecimentos necessários para aproveitar o potencial das tecnologias digitais, estaremos fortalecendo a qualidade da educação, promovendo a inclusão e preparando nossos alunos para os desafios do mundo digital.

1 BRASIL. Lei nº 14.533/2023, de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional de Educação Digital. Presidência da República: Brasília/DF, 2023. Disponível em: https://bit.ly/3oXxBjI. Acesso em: 5 jun. 2023.
2 A Política Nacional de Educação Digital (PNED) abrange quatro eixos estruturantes (art. 1º, §2º): inclusão digital, educação digital escolar, capacitação e especialização digital, e pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias da informação e comunicação (TICs).
3 Lastreada por dados coletados entre setembro de 2021 e abril de 2022, através de entrevistas telefônicas direcionadas a uma amostra efetiva de 1.865 professores, a pesquisa “TIC Educação 2021” diagnosticou o cenário de 3.678 escolas brasileiras – 2.009 urbanas e 1.669 rurais -, em meio à recente conjuntura pandêmica. CETIC.BR. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras [livro eletrônico] : TIC Educação 2021 – edição COVID-19. 1. ed. São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2022. Disponível em: https://bit.ly/3CEBQ70. Acesso em 11 jun. 2023. O conjunto de dados completo utilizado na confecção deste artigo pode ser encontrado em: CETIC.BR. Indicadores TIC Educação 2021: Professores. Cetic.br, São Paulo, 2022. Disponível em: https://bit.ly/43Nw2nF. Acesso em: 11 jun. 2023; e CETIC.BR. Tic Educação 2021: Edição Covid-19 metodologia aplicada. Cetic.br, São Paulo, 12 jul. 2022. Disponível em: https://bit.ly/46bJAei. Acesso em: 11 jun. 2023.
4 SALDANHA, Paloma Mendes; PEREIRA, Milton. A diversidade brasileira e a Política Nacional de Educação Digital. Conjur, [S.l], 13 jun. 2023. Disponível em: https://bit.ly/46azWsa. Acesso em: 11 jun. 2023.
5 Medidas com maior impacto econômico, como o custeio de chips de celulares ou plano de dados e voz (10%), do acesso à Internet (19%), de equipamentos de gravação de aulas, como câmeras ou tripés (19%), de softwares ou programas de computador (25%), e de equipamentos eletrônicos, como celulares e computadores (36%), atingiram índices menos expressivos.
 
6 Ainda assim, o expressivo contingente de 818.557 professores (35%) não participou de iniciativas voltadas à formação continuada.


Sobre o autor
Legal Grounds Institute

Legal Grounds Institute

Produzindo estudos sobre políticas públicas para a comunicação social, novas mídias, tecnologias digitais da informação e proteção de dados pessoais, buscando ajudar na construção de uma esfera pública orientada pelos valores da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos e da autodeterminação informacional, em ambiente de mercado pautado pela liberdade de iniciativa e pela inovação.
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