Por Ricardo Campos e Maria Gabriela Grings
Artigo publicado originalmente no Conjur
Por muitos séculos, a assinatura manuscrita foi considerada o meio mais consolidado e difundido para atestar a ciência e a anuência de um sujeito sobre o conteúdo de um documento. Ela pode assumir diversas formas: aposição do nome completo por extenso, abreviaturas, inserção de iniciais ou até mesmo uma combinação entre letras e símbolos, desde que haja reconhecimento público de que esses elementos expressam a concordância do signatário com o contido no documento.
Este método, porém, está longe de ser infalível. São inúmeros os casos de falsificação de assinaturas manuscritas, o que ocorre nos mais variados tipos de contrato, com destaque para aqueles de abertura de conta corrente e para os de empréstimos financeiros. Comumente, a anulação desse vício somente ocorre após a perícia grafotécnica.
O ato de assinar foi profundamente impactado pelos desdobramentos do avanço da tecnologia. Atualmente, a assinatura manuscrita convive com outra espécie, que tem adquirido cada vez mais importância — a assinatura eletrônica. Essa (relativamente) nova modalidade de assinar se desdobra em três tipos: assinatura eletrônica simples, assinatura eletrônica avançada e assinatura eletrônica qualificada, cada qual com grau crescente de confiabilidade quanto aos requisitos de autoria, integridade e autenticidade.
No Brasil, a matéria encontra-se regulada desde o início do século. A Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, estabeleceu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), base para o funcionamento do sistema nacional de assinaturas eletrônicas qualificadas, ao passo que a Lei nº 14.063/2020 trouxe definição sobre cada espécie de assinatura, além de estabelecer o respectivo uso em interações com entidades públicas e em certos atos realizados por pessoas jurídicas, trazendo maior clareza conceitual e previsibilidade jurídica.
O Código Civil em vigor, promulgado em 2002, não possui em sua redação original qualquer previsão a respeito das assinaturas eletrônicas, assunto que era incipiente quando da sua promulgação e inexistente durante a sua longa tramitação legislativa.
A primeira inserção de previsão sobre a matéria no CC ocorreu em 2014, no livro de direito da empresa, estabelecendo que a inscrição do empresário no registro público de empresas mercantis deve conter firma e assinatura autografa que poderia ser substituída por assinatura autenticada com certificado digital ou meio equivalente que comprove a sua autenticidade (artigo 968, II), sendo essa a única previsão a respeito em todo o Código.
Há, assim, um evidente descompasso entre o diploma legal de base para as relações privadas e a realidade social, em que há predomínio cada vez maior do uso de assinaturas eletrônicas, nas mais variadas externalizações da vontade.
Em razão da importância da matéria e do atual descompasso normativo descrito, no âmbito da Comissão de Juristas para a reforma do Código Civil, o grupo dedicado à temática de direito digital buscou instituir um capítulo exclusivamente às assinaturas eletrônicas. Em primeiro momento, são apresentadas as características de cada espécie.
A assinatura eletrônica simples, como uma assinatura de e-mail, é a que permite identificar o seu signatário e anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário.
Assinatura avançada
Por sua vez, a assinatura eletrônica avançada é a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: está associada ao signatário de maneira unívoca, utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável.
Finalmente, estabeleceu-se que a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do artigo 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
As definições apresentadas não se distanciam daquelas presentes no artigo 4º, incisos I a III, da Lei nº 14.063/2020. Um dos diferenciais da sugestão legislativa está na vinculação entre a comprovação de autoria do documento e o uso de assinatura eletrônica qualificada, que atrela o titular do certificado utilizado ao documento.
Nesse sentido, vale relembrar que o artigo 10, §1º da MP 2200-2 já previa presunção de veracidade para as declarações em documentos eletrônicos que utilizam o sistema de certificação da ICP-Brasil.
Segurança jurídica
O novo dispositivo é relevante pois incorpora no Código Civil uma previsão já consolidada em nosso ordenamento, trazendo maior segurança jurídica para o uso das assinaturas eletrônicas e explicitando que a presunção legal existe apenas com relação a modalidade mais confiável, a qualificada.
Tal confiabilidade decorre do fato de a assinatura eletrônica qualificada ter origem em um sistema de cadeia de certificação no qual figura como autoridade certificadora raiz o Instituto Nacional da Informação (ITI), autarquia federal que credita, fiscaliza e audita as autoridades certificadoras (AC) responsáveis pela emissão dos certificados eletrônicos qualificados, o que não ocorre nas demais espécies de assinatura eletrônica.
Outro diferencial da proposta da comissão pode ser encontrado na previsão que indica que a assinatura eletrônica não é meio de comprovação da capacidade do signatário ou da ausência de vícios na manifestação da vontade.
O grau de confiabilidade técnico oriundo do emprego de assinaturas eletrônicas, em especial da assinatura avançada e da qualificada, não se confunde com o demonstração de compreensão do signatário sobre o ato jurídico praticado e suas consequências para a própria esfera jurídica e para a de terceiros.
A eventual presença de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou de fraude contra credores não resta validada pelo mero uso de assinatura eletrônica.
A disposição de maior destaque, porém, é a que indica que, “salvo disposição legal em sentido contrário, a validade de documentos constitutivos, modificativos ou extintivos de posições jurídicas que produzam efeitos perante terceiros depende de assinatura qualificada”.
Tal previsão busca assegurar que os atos jurídicos eletrônicos que tenham a possibilidade de atingir a esfera de direitos de terceiros utilizem a modalidade mais segura de assinatura eletrônica.
Alguns exemplos a serem citados são os atos relacionados a bens imóveis que produzem efeitos perante terceiros, com compra e venda, constituição de usufruto, estabelecimento de direito de superfície ou de servidão, atos jurídicos que no sistema de direitos reais brasileiro precisam constar no registro público, para que gozem dos efeitos inerentes à publicidade registral.
A busca pelo aumento da confiabilidade nas relações econômicas que impliquem em mutações jurídico-reais é, portanto, salutar, trazendo maior segurança aos documentos firmados com o uso de assinaturas eletrônicas e, como consequência, maior confiabilidade econômica, tecnológica e jurídica.