Por Carolina Cruz
Publicado originalmente no Tele.Síntese em 4 de outubro de 2024 | 12:52
Diante da tendência de revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet, empresa ajusta argumento em petição ao Supremo e anexa parecer do professor Ricardo Campos pelo reconhecimento da diferenciação no que diz respeito à responsabilidade pela moderação.
A defesa do Mercado Livre encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na noite desta quinta-feira, 3, uma manifestação que ajusta os argumentos da empresa sobre a revisão do dispositivo do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilidade das plataformas digitais (artigo 19). Na petição, ela formaliza o pedido para que qualquer alteração na regra atual não atinja os marketplaces.
O artigo em questão prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
O debate no STF caminha para a possibilidade de prever a responsabilidade dos provedores independente de uma ordem judicial, alcançando casos como a exclusão de postagens e vídeos criminosos em redes sociais, como instagram ou player como o Youtube, mas também, eventualmente, a remoção de anúncios de produtos irregulares ou piratas por marketplaces, que gera diferentes interpretações até mesmo na jurisprudência atual.
Ao se manifestar no Supremo em audiência pública no ano passado, a defesa do Mercado Livre concentrou as alegações no sentido de que o tema deveria ser discutido no Congresso Nacional. E, de fato, essa chegou a ser a expectativa até mesmo dos ministros, à época. No entanto, sem consenso entre parlamentares, o que se espera agora é que o Judiciário analise antes, inclusive com debate inclinado para a revisão do artigo, com tal posição já defendida abertamente por alguns membros da Corte, como o próprio presidente, Luís Roberto Barroso.
Observando o cenário, e recalculando a rota, a petição encaminhada pelo Mercado Livre nesta quinta é pragmática em defender, em primeiro lugar, a constitucionalidade do artigo 19, no entanto, caso o “STF entenda que a referida norma seria inconstitucional, requer sejam analisadas as peculiaridades entre as atividades desenvolvidas pelos diversos tipos de provedores de aplicações de internet, a fim de que seus efeitos não atinjam os marketplaces, caso do Mercado Livre”.
Parecer
Para subsidiar a argumentação, a empresa encaminhou ao Supremo um parecer do professor Ricardo Campos, considerado uma das referências na temática do direito digital. A análise do especialista diferencia os tipos de provedores de aplicações de internet, concluindo pela “necessidade de se analisar individualmente cada um dos modelos/tipos de provedores, sob pena de inviabilizar a atividade desempenhada especificamente pelos marketplaces, caso do Mercado Livre, em uma eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet”, conforme síntese apresentada pela plataforma.
A responsabilidade das plataformas no âmbito do Marco Civil da Internet está sendo discutida em dois recursos no STF: o Tema 533 , com relatoria de Luiz Fux, e o Tema 987, que está com Dias Toffoli. No parecer, Campos afirma que “embora a diferenciação dos provedores de aplicação não seja o foco principal desses julgamentos, é uma questão subjacente significativa que impacta na maneira como as decisões judiciais afetarão a operação e a responsabilidade dessas plataformas”.
“Portanto, revela-se imprescindível que o objeto da possível decisão dos Temas em questão restringe-se às aplicações digitais que gerenciam e administram através de algoritmos o “mercado de ideias”, ou seja, as redes sociais. Para a vasta gama de serviços digitais como provedores de nuvem, marketplaces online entre outros deveria prevalecer a exclusão dos efeitos de eventual decisão de inconstitucionalidade do art. 19 do MCI, mantendo-se em relação a eles (serviços digitais não qualificados como redes sociais) a incidência do artigo em sua redação original. Isso garantiria a aderência da decisão ao seu objeto concreto, redes sociais, evitando ao mesmo tempo externalidades negativas para diversos outros ecossistemas econômico-sociais do mundo digital, que nada têm a ver com impacto democrático e no mercado de ideias, centro do julgamento dos Temas”, conclui o especialista no documento.
Em abril deste ano, Toffoli afirmou à imprensa que havia expectativa de analisar o caso a partit de junho. A nova estimativa é de que o assunto seja pautado após as eleições.