Com diversos ecossistemas[1], a Amazônia configura-se uma região com acessos geograficamente longínquos. De acordo com um estudo sobre bioeconomia amazônica realizado pelo WWF-Brasil (2021), “a Amazônia Legal possui 94 mil famílias (aproximadamente 470 mil pessoas) vivendo em comunidades remotas, excluídas eletricamente”. O isolamento e a exclusão nessa região são características que corroboram para a dificuldade na comunicação e no acesso aos serviços básicos do ser humano, como por exemplo, promoção de serviços, lazer, educação e até mesmo saúde.
Segundo a Fundação Amazônia Sustentável (2021), “a conectividade digital em comunidades e localidades remotas da Amazônia é dificultada por desafios técnicos, logísticos, econômicos e ambientais. Isso faz com que as populações vivam em exclusão digital (dificultando o desenvolvimento humano, local e nacional)”.
Mas o que a Política Nacional de Educação Digital (PNED) tem a ver com isso?
A PNED traz em seu texto 5 pontos específicos sobre conectividade atrelada ao desenvolvimento humano. O primeiro deles coloca a PNED como uma instância de articulação para, dentre outras responsabilidades, ampliar a infraestrutura digital e a conectividade, mas que não deve ser vista como substituta de nenhuma outra política estadual, distrital ou municipal de educação digital escolar já existente (art. 1º,§3).
Em um segundo ponto, a infraestrutura e a conectividade são colocadas como estratégia prioritária para o desenvolvimento da inclusão digital em cada estado do país (art. 2º, VI). Na sequência, a conectividade aparece como um direito digital a ser garantido e protegido, ou seja, no eixo da educação digital escolar para que aconteça um letramento digital e informacional de qualidade se faz necessário garantir uma conectividade segura a fim de promover espaços para debate e concretização de direitos digitais a respeito da conscientização do uso adequado da rede e do coerente tratamento de dados pessoais, por exemplo (art. 3º, IV).
A PNED ainda traz a conectividade como algo que deve ser viabilizado pelo poder público (art. 6º, I), e altera o inciso XII do artigo 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para dizer que a conectividade, com Internet de alta velocidade, deve ser uma garantia para todas as instituições públicas de educação básica e superior para fins de desenvolvimento de competências voltadas à construção de uma cidadania digital democrática (art. 7º).
Quais são os desafios amazônicos para a implementação do que pede a PNED?
Ao falar tecnicamente, no contexto amazônico surge o desafio da execução dos serviços de telecomunicações que é historicamente prestado com nível qualitativo inferior e preços exorbitantes, segundo estudo sobre Acesso à Internet na Região Norte, realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (2022). Atualmente, há uma grande espera por Internet com acesso à rede 5G, consequentemente mais veloz na região amazônica, mas 20% da população sequer têm acesso à rede 4G devido ao custo de instalação ser alto e o número de usuários baixo (Laviano, 2023).
No workshop sobre o “Acesso a internet nos Municípios do Interior do Amazonas“, o especialista em Direito Digital, Aldo Evangelista, pontuou que: “a Internet não é só você navegar na Web, tem que ter infraestrutura, rede de antenas, rádios, satélite, fibra óptica para chegar um sinal de Internet e em muitos municípios do interior do Amazonas isso não funciona, e isso deixa essas pessoas excluídas de acesso à Internet, estar conectado é ter acesso ao mundo, e essas pessoas estão excluídas dessa realidade“.
Um exemplo dessa realidade foi apresentado na reportagem veiculada no dia 21 de março de 2021 no Fantástico, um programa dominical da Rede Globo. Um estudante do interior do Oeste do Pará precisa subir, todos os dias, no alto de uma mangueira para que consiga sinal de Internet para assistir suas aulas. Esses fatores, somados, evidenciam a necessidade de pensar o binômio acesso-qualidade, para promoção de uma política de conectividade efetiva, distributiva e justa e que atenda as diversidades e diferenças regionais do país (Sousa, 2023).
No que tange a logística, destaca-se que a região amazônica é isolada devido às descomunais distâncias. Segundo a Fundação Amazônia Sustentável (2022), “a Amazônia possui uma logística diferente do restante do país. Em muitos locais, o transporte é feito, majoritariamente, pelos rios”. Um exemplo dessa realidade é o trabalho da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) na implementação de conectividade em Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs). Em um determinado recorte geográfico, para visitar são 2.500 km de rio Purus e mais os cursos d’água menores que deságuam no próprio rio, conhecidos como afluentes. O tempo que levaria para a visita acontecer em toda essa extensão seria de quase dois anos.
Outro desafio a ser levado em consideração na implementação da PNED na região amazônica é a questão econômica. Destaca-se que atualmente os gastos custeiam em média 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Um valor distante da realidade da região, mas ainda sim mantém com desafios a estrutura já existente. O ideal seria investir em torno de 2,5% do PIB da região em infraestrutura sustentável, comentou Augusto Rocha, professor associado da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em debate neste ano na revista Exame sobre Amazônia conectada: oportunidades e desafios.
Um exemplo dessa realidade econômica está explícita na afirmação mais uma vez de Augusto Rocha: “30 anos seria pouco tempo para resolver todos os problemas”. Para Nelson Simões, diretor geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), a região Norte tem condições de estar toda conectada em 05 anos: “nós temos condições para isso. Existem recursos, não é uma tarefa simples, reúne diversos atores como governo federal, estaduais, mas é possível integrar e qualificar a população”.
Por fim, sobre as questões ambientais, destaca-se a complexidade da região com seus períodos de cheia e seca dos rios. Essas alternâncias dificultam as passagens de cabo de fibra óptica nos leitos dos rios. Outra particularidade da região é a altura das torres de comunicação que precisa ser maior que a copa das árvores para não sofrer interferências de sinais. Um exemplo dessa realidade é exposta na fala de Argemiro Sousa, diretor de negócios da Padtec: “usar o leito dos rios é complexo. Eles possuem correnteza forte, grande volume de água. Mas acredito que é possível termos um sistema estável mesmo nesse ambiente. Ou seja, é possível usar o leito do rio para passar cabos. Mas nesse caso, a manutenção e operação se tornam mais sensíveis, precisarão de mais atenção e periodicidade”.
Mesmo diante de tantos desafios, existem projetos dando certo
É notório que a precariedade no serviço de conectividade na Amazônia causa diversos prejuízos. Para o pesquisador Weverton Cordeiro, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “cada vez mais falamos de educação a distância, democratização do ensino via internet, uso de internet em sala de aula. E a Amazônia está ficando de fora deste processo. Se você tem dificuldade de baixar um PDF, toda uma geração está ficando para trás em uma região já estigmatizada e cheia de carências sociais”. Entretanto, para mitigar a exclusão digital vivida na região amazônica, existem alguns projetos que estão driblando as barreiras da Amazônia e levando conectividade.
O projeto Conexões Povos da Floresta entregou antenas da Starlink (empresa de comunicação via satélite do Elon Musk) em dez comunidades indígenas Yanomami, como cumprimento de um projeto que tem como objetivo proporcionar Internet de qualidade para mais de 4 mil comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas até 2025. É um projeto organizado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). É importante pontuar que, apesar da promessa do governo federal de universalizar a conectividade em 100% das escolas da região, em maio de 2022, ela não se efetivou na prática, como noticiou a Folha (Sousa, 2023).
O Projeto Amazônia Conectada tem como objetivo conectar as unidades do Exército Brasileiro na região Amazônica Ocidental por meio de fibra óptica nos leitos dos rios. Dessa iniciativa, surgiu uma rede de dados com alta velocidade, segurança e confiabilidade conhecida por Rede Vitória Régia. Além dos órgãos de defesa no país, a administração federal, estadual e municipal e a população, com serviços digitais de ensino a distância, telemedicina, turismo e outros, também usufruem dessa rede.
Por fim, um estudo produzido pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e custeado pelo Banco Mundial em 2021 identificou que as soluções para melhoria da conectividade em áreas remotas da Amazônia estão focadas no uso de satélites, uma vez que os desafios da implantação de fibras óticas no meio da floresta são persistentes, e no uso de sistemas de rádio em comunidades extremas. Outro ponto importante a ser abordado é a debilidade do fornecimento de energia elétrica para 400 mil pessoas na Amazônia. Para mitigar essa problemática, um debate sobre Amazônia conectada: Oportunidades e desafios realizado por profissionais de ensino concluiu que as obras de infraestrutura na Amazônia precisam ser feitas simultaneamente com a instalação de conexões de Internet para uso da população, contribuindo no desenvolvimento da região na educação, no social e no econômico.
Para fechar…
A implementação da PNED aos povos da Amazônia perpassa não só por legislações vigentes ou em desenvolvimento, mas também por políticas públicas que garantam serviços básicos de existência e desenvolvimento humano, uma vez que as características da região são extremamente peculiares. Assim, é primordial mencionar que, caso não se estabeleça uma infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação (TIC) adequada junto a uma rede de dados com serviço de Internet com tecnologia de ponta, a garantia de educação digital para as localidades amazônicas seguirá ameaçada.
Acesso à Internet na região Norte. Idec, 2023. Disponível em: https://idec.org.br/arquivos/pesquisas-acesso-internet/idec_pesquisa-acesso-internet_acesso-internet-regiao-norte.pdf. Acesso em 10.06.23.
Adachi, V. Projeto quer levar a internet de Musk a 5 mil povos da Amazônia. Capital Reset, 2023. Disponível em: https://www.capitalreset.com/projeto-quer-levar-a-internet-de-musk-a-5-mil-povos-da-amazonia/. Acesso em: 10.06.23.
A tecnologia ao alcance de todos. Amazônia Conectada, 2023. Disponível em: http://www.amazoniaconectada.eb.mil.br/. Acesso em: 10.06.23.
Barros, A. Amazônia conectada: Oportunidades e desafios. Exame, 2023. Disponível em: https://exame.com/videos/esg/amazonia-conectada-oportunidades-e-desafios/. Acesso em 10.06.23.
Conectividade digital em comunidades ribeirinhas remotas no interior do estado do Amazonas. Fas-Amazônia, 2021. Disponível em: https://fas-amazonia.org/novosite/wp-content/uploads/2022/02/psi-conectividade-digital-comunidades-remotas.pdf. Acesso em 10.06.23.
Conectividade nas aldeias: o papel da Internet no interior do Amazonas. Fas-Amazônia, 2021. Disponível em: https://fas-amazonia.org/blog-da-fas/2022/05/20/conectividade-nas-aldeias-o-papel-da-internet-no-interior-da-amazonia/. Acesso em 10.06.23.
Conteúdo especial Amazônia. Mamirauá, 2023. Disponível em: https://www.mamiraua.org.br/pdf/b835ab4918934c68328ea188943e86b0.pdf. Acesso em 10.06.23.
Costa, W. Internet para o interior do Amazonas: conheça iniciativas que atuam na melhoria da conexão. NIC.br, 2019. Disponível em: https://www.nic.br/noticia/na-midia/internet-para-o-interior-do-amazonas-conheca-iniciativas-que-atuam-na-melhoria-da-conexao/. Acesso em 10.06.23.
Estudo aponta fortalecimento da bioeconomia amazônica pelo acesso à energia elétrica. WWF-Brasil, 2021. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?79070/fortalecimento-da-bioeconomia-amazonica-por-meio-do-acesso-a-energia-eletrica. Acesso em 10.06.23.
Estudo mostra como melhorar conectividade em áreas remotas da Amazônia. Fas-Amazônia, 2021. Disponível em: https://fas-amazonia.org/estudo-mostra-como-melhorar-conectividade-em-areas-remotas-da-amazonia/. Acesso em 10.06.23.
Jovem sobe no alto de árvore para melhorar sinal de internet e assistir aulas no Pará. G1 – Globo, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/03/21/jovem-sobe-no-alto-de-arvore-para-melhorar-sinal-de-internet-e-assistir-aulas-no-para.ghtml. Acesso em 10.06.23.
Laviano, E. Os desafios do 5G no interior da Amazônia. Liberal Amazon, 2023. Disponível em: https://www.liberalamazon.com/pt-BR/infraestrutura/news/os-desafios-do-5g-no-interior-da-amazonia. Acesso em 10.06.23.
Sousa, F. C. Infraestrutura digital e acesso à internet nas escolas: tentativas de universalização. Revista Consultor Jurídico (Conjur). Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jun-20/direito-digital-infraestrutura-digital-eacesso-internet-escolas-tentativas-universalizacao#_ftn15. Acesso em: 22 jun. 2023.
Urupá, M. Além dos desafios operacionais, Amazônia Conectada é um desafio burocrático, aponta RNP. Teletime, 2021. Disponível em: https://teletime.com.br/09/06/2021/alem-dos-desafios-operacionais-amazonia-conectada-e-um-desafio-burocratico-aponta-rnp/. Acesso em: 10.06.23.
[1] A Amazônia é um imenso bioma com florestas alagáveis, florestas de terra firme, cerrados, savanas e outros ecossistemas. Esse gigantesco espaço geográfico repleto de vida vegetal e animal possui 6,7 milhões de km2 com aproximadamente 4,2 milhões no território brasileiro (49,3% do país). Os estados brasileiros que fazem parte da Amazônia Legal são: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e partes do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso
PALOMA MENDES SALDANHA – Diretora e fundadora da PlacaMãe.Org_
KARLA SUSIANE DOS SANTOS PEREIRA – Pesquisadora da PlacaMãe.Org_
FRANCISCO CAVALCANTE DE SOUSA – Gestor executivo do Legal Grounds Institute