Centro de Direito Civil e Novas Tecnologias

Discussões sobre os impactos da digitalização no Direito Civil, no contexto brasileiro.

O desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente digitalização da sociedade têm causado um impacto profundo e multifacetado em todas as esferas de nossas vidas, inclusive no campo do Direito Civil, especialmente na propriedade intelectual, herança digital, relações contratuais, responsabilidade civil, privacidade e proteção de dados, entre outros. Tais temas trazem desafios legais e questões éticas complexas que exigem profundo debate. 

O Legal Grounds Institute foi formalmente convidado pelo Ministro Luis Felipe Salomão para contribuir com sugestões à Comissão de Juristas responsável pela proposta de atualização e revisão do Código Civil no Senado Federal. Nesta perspectiva, o Centro de Direito Civil e Novas Tecnologias é um grupo voltado à discussão sobre os impactos da digitalização no Direito Civil, no contexto brasileiro.

O Centro reúne pesquisadores e profissionais voluntários das cinco regiões do país, criteriosamente selecionados e interessados na realização de estudos e pesquisas avançadas, buscando fomentar o debate sobre a digitalização no Direito Civil brasileiro, produzir reports e contribuir para o avanço do conhecimento nesta área no contexto brasileiro, a partir do direito comparado.

Temas de pesquisa e desenvolvimento

A evolução da digitalização e seu impacto na propriedade intelectual desencadearam mudanças substanciais no campo do direito civil. Com a proliferação de conteúdo digital e a facilidade de compartilhamento na era da internet, questões relacionadas aos direitos autorais, patentes e marcas estão constantemente em destaque. O desafio reside em encontrar um equilíbrio entre a proteção dos criadores e a promoção da inovação, considerando o acesso aberto à informação. Além disso, a disseminação global de obras intelectuais cria novos desafios na aplicação das leis de propriedade intelectual em um ambiente digital. Nesse contexto, é fundamental explorar como o direito civil se adapta a esse cenário em constante evolução, garantindo a proteção dos direitos intelectuais e o estímulo à criatividade.

Num cenário cada vez mais dominado pela era digital, nossas interações, transações e até mesmo nossa herança têm se transformado no mundo virtual. Esse avanço, frequentemente referido como a Era da Informação, não apenas ampliou nossos limites em relação à conectividade e inovação, mas também deu origem a novos modelos para administrar ativos. Surge, assim, o conceito de patrimônio digital, um conjunto abrangente de bens e informações eletrônicas que, ao mesmo tempo em que potencializam oportunidades, também introduzem desafios sem precedentes na interseção entre tecnologia e direito. No Brasil, embora essa categoria emergente de bens seja um reflexo da globalização digital, ela ressoa de maneira única no cenário jurídico, apresentando dilemas que vão desde a sucessão do patrimônio digital até a proteção post mortem de dados e informações. Com a entrada em vigor da LGPD e os enunciados do Conselho da Justiça Federal, as fronteiras desse território ainda estão sendo mapeadas, necessitando de um olhar atento e reflexivo para equilibrar inovação, direitos individuais e prerrogativas legais em um ambiente digital em constante mudança. Surgem questões como a transmissibilidade dos bens digitais, modalidades de bens digitais (patrimoniais, existenciais e patrimoniais-existenciais), autonomia das plataformas, instrumentos de proteção do patrimônio judicial. 

Seus elementos estruturantes, res pretium et consensus, devem ser estudados à luz das novas tecnologias da informação e da comunicação. Novas modalidades contratuais, baseadas em tecnologia de registros distribuídos, bem com novas formas de execução contratual, como os contratos inteligentes, são elementos que devem ser pesquisados para identificar possíveis aprimoramentos na lei material. Criptoativos, criptomoedas e meios de pagamento digital, por sua vez, passaram a desempenhar uma nova forma de cumprimento obrigacional, exigindo uma releitura dos elementos do negócio jurídico. 

O processo digital e as tecnologias digitais relacionadas à prova do fato jurídico mudaram substancialmente a forma e a validade dos elementos de convicção produzidos no âmbito do processo civil. O uso da teleconferência, da criptografia e de tecnologias de registro distribuídos (DLTs) trouxeram nova forma para a confissão, o documento eletrônico, a declaração testemunhal e para as perícias. 

Entre as várias aplicações que se tem tentado dar à tecnologia do Blockchain se encontra a tokenização: a criação de representações digitais infungíveis de ativos, com vistas a sua negociação em ambientes eletrônicos. Esta operação enfrenta inúmeros desafios, em especial quando pretende ter por objeto bens sujeitos a registro em registros públicos, como se dá com os imóveis. A matéria ainda não foi tratada com profundidade pela legislação brasileira ou mesmo estrangeira. Já a jurisprudência tem tratado do tema em conjunto com o dos criptoativos em geral, notadamente em casos de fraude e responsabilização civil, ou de tentativa de penhora destes bens em processos de execução movidos contra seus titulares. Com isso, a matéria ainda depende de mais amadurecimento para que possa ser objeto de uma regulação abrangente no Código Civil.

A estrutura geral da responsabilidade civil no direito privado materializou os influxos da utilização das tecnologias da informação e comunicação nas relações jurídicas mediante a previsão de normas em legislações setoriais, concitando o intérprete a uma análise dialógica e em conformidade com a Constituição Federal. Questões como cyberbullying, discurso de ódio e difamação online trazem à discussão os limites da responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo gerado por terceiros. A proteção de dados pessoais, por sua vez, trouxe aos Tribunais a discussão sobre a subsunção do dever de indenizar às regras da responsabilidade subjetiva ou objetiva, bem como sobre a imprescindibilidade do resultado naturalístico. No que diz respeito à correlação entre a indenização e a extensão do dano, a pesquisa deve abordar quais novos aspectos devem considerar quando a ato ilícito é perpetrado, divulgado ou potencializado pelos meios digitais.

A crescente digitalização e a disseminação de informações online têm um impacto profundo nos direitos da personalidade, um domínio fundamental do direito civil. À medida que os indivíduos navegam pelo cenário digital, questões relacionadas à privacidade, imagem, honra e reputação tornam-se cada vez mais prementes. A coleta indiscriminada de dados pessoais, a exposição nas redes sociais e os desafios cibernéticos destacam a necessidade de proteger eficazmente esses direitos da personalidade. A velocidade de propagação de informações nas plataformas online traz novas considerações sobre a dignidade e a intimidade das pessoas, exigindo uma adaptação das leis civis para equilibrar a proteção dos direitos individuais no mundo digital em constante evolução.

O uso da imagem por sistemas de inteligência artificial levanta questões complexas no âmbito do direito civil. À medida que a tecnologia avança, a capacidade de criar imagens sintéticas e manipuladas com grande realismo está se tornando uma realidade preocupante. Isso coloca em destaque desafios relacionados à violação dos direitos de imagem e à possibilidade de difamação, quando imagens falsas são criadas e disseminadas. A determinação de responsabilidade legal, a proteção da reputação das pessoas e a preservação da integridade da informação visual tornam-se tópicos cruciais.

A interseção entre inteligência artificial, algoritmos e direito civil é um domínio de crescente importância e complexidade. À medida que os sistemas de IA e os algoritmos desempenham um papel cada vez mais significativo em decisões e processos que afetam os direitos das pessoas, surgem desafios legais cruciais. Questões como transparência, discriminação algorítmica, responsabilidade e proteção da privacidade se tornam centrais. A adaptação do direito civil para lidar com essas complexidades requer uma revisão cuidadosa das regulamentações existentes que equilibre a inovação tecnológica com a proteção dos direitos individuais.

Coordenação do Grupo
Daniel Dias

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV Rio)

Fernando Tasso

Juiz de Direito Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

Ivan Jacopetti

Registrador no 4º Registro de Imóveis de São Paulo

Juliana Domingues

Procuradora-Chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE

Alexandre Kassama
Juliano Maranhão

Diretor do Legal Grounds Institute e Professor da Universidade de São Paulo (USP)

Maria Gabriela Grings

 Coordenadora do Legal Grounds Institute

Coordenador-assistente
Francisco Cavalcante

Gestor Executivo do Legal Grounds Institute

Membros-pesquisadores

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