O que você precisa saber sobre nosso Seminário Internacional de Neurodireitos?

Por Marina Crivelli

Você já imaginou um futuro em que nossos pensamentos podem ser lidos? Um mundo em que eles são considerados tão importantes quanto os direitos clássicos, como vida, dignidade, propriedade e privacidade? Parece enredo de ficção científica, digno de autores como Isaac Asimov, Aldous Huxley e George Orwell,autor do romance 1984, mas que tem se tornado possível graças ao advento da neurotecnologia.

A neurotecnologia é um conjunto de ferramentas capaz de analisar e ler a atividade neural. Ela pode ter um aspecto positivo no avanço da medicina, especificamente no tratamento de doenças neurológicas degenerativas, como Esclerose Lateral Múltipla (ELA). Entretanto, muitas tecnologias dessa natureza vêm sendo utilizadas no contexto mercadológico. Alguns exemplos são os AirPods, da Apple, os smartwatches que utilizam a tecnologia de eletroencefalograma e as tiaras da empresa Emotiv Epoc. Tais inovações trazem reflexões sobre a invasão de uma das esferas mais profundas da privacidade, a dos pensamentos, que possuem grande potencial em violar os direitos individuais.

As preocupações com o desenvolvimento dessas tecnologias trouxeram à tona a importância do direito estabelecer limites éticos e jurídicos para garantir a proteção do indivíduo ao utilizar dispositivos nanotecnológicos. 

Tendo em vista essas e muitas outras discussões a respeito do tema, o Legal Grounds Institute, com o apoio da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP, realizou o Seminário Internacional Regulação dos Neurodireitos. O evento ocorreu de maneira híbrida, no Auditório Ruy Barbosa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e com transmissão aberta pelo Youtube.

O seminário procurou investigar perspectivas atuais e futuras dos Neurodireitos, no sentido de trazer à tona um tema que é pouco estudado e pesquisado no cenário nacional e internacional, apesar de estar em constante destaque na mídia, principalmente após o desenvolvimento de chips de implantes cerebrais pela empresa Neurolink. Durante o seminário, foi anunciado o lançamento do Observatório de Neurodireitos no Brasil, sob organização do Legal Grounds Institute, com a abertura do edital para publicação de artigos sobre o tema. 

Legal Grounds abre chamada de submissão de artigos para o livro “O Futuro dos Neurodireitos” – Legal Grounds Institute

No início do Seminário foi exibido com exclusividade e pela primeira vez no Brasil, o documentário “Theater of Thoughts”, que aborda a visão do desenvolvimento de pesquisa em neurotecnologia. Em seguida, ocorreu sessão de perguntas e respostas com Rafael Yuste, professor de ciências biológicas e neurodireito da Columbia University (EUA), fundador e presidente da Neurorights Foundation, organização responsável pela produção do documentário, com participação dos pesquisadores José Humberto Fazano e Amanda Cunha e Mello Smiths, ambos do Legal Grounds Institute. Na conversa, Yuste comentou sobre o processo da idealização e produção do documentário e defendeu o desenvolvimento de uma regulação das neurotecnologias.

No painel de discussão “Desafios das novas Neurotecnologias”, três profissionais convidados colaboraram com concepções diferentes sobre o tema. Adriana Marques, encarregada de proteção de dados no Ministério da Saúde, discorreu sobre a correlação entre os Neurodireitos e a proteção dos dados pessoais sensíveis, especialmente na área de saúde. No decorrer da sua fala, ela explicou os avanços dos programas e das políticas de proteção de dados no sistema público de saúde e questionou como essas políticas precisarão se adaptar ao advento da implementação da neurotecnologia no sistema de saúde.  Por mais que ainda não exista uma legislação específica, Adriana citou propostas legislativas que colocam a integridade mental como objeto jurídico, em especial, o projeto de lei n° 522/2022, que modifica a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a fim de conceituar dano neural e regulamentar a sua proteção. 

No mesmo painel, Fabio Santana, especialista em direito constitucional, defendeu  a criação de uma emenda constitucional que garanta a integridade mental do indivíduo como um direito fundamental, assim como o direito à liberdade de expressão, a liberdade de crença e a tutela sobre o próprio corpo. Segundo apontou, o cérebro se tornou um campo de batalha, tanto ético quanto jurídico. Entre tantos outros bem jurídicos tutelados, mencionou a PEC 29/2023, que prevê a criação do inciso LXXX do artigo 5.

O professor Eduardo Tomasevicius Filho, do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, responsável pela implementação da primeira disciplina de pós-graduação focada em Neurodireitos no Brasil, abordou a modificação do direito e da concepção de personalidade jurídica com os avanços da tecnologia. Ele afirmou enxergar diversos cenários para a questão dos Neurodireitos, uma vez que o tema terá reflexos sobre a mente humana, interferindo na psique, na capacidade de tomada de decisão e das emoções do indivíduo. No final da sua fala, o professor falou que, futuramente, espera-se que a disciplina de neurodireito seja uma matéria regular na graduação de direito.

O segundo painel do seminário tratou a regulação de Neurodireitos e contou com a participação de Ricardo Campos, diretor do Legal Grounds Institute, que participou a distância, diretamente da Alemanha, onde é professor da Goethe Universität Frankfurt. O professor explicou que, por as tecnologias construírem a complexidade do ser humano, a neurotecnologia e as barreiras com o indivíduo se tornarão menores, uma vez que as regiões neurais serão acessadas.

A última exposição do seminário foi protagonizada por Camila Pintarelli, pioneira em estudos de Neurodireitos no Brasil e impulsionadora da reforma constitucional dos Neurodireitos. Em sua fala, Camila tratou sobre como as mudanças tecnológicas influenciam e moldam o nosso comportamento. Ela informou que a nossa principal forma de expressão – a linguagem, está perdendo a sua importância, uma vez que a neurotecnologia tem capacidade de analisar as emoções, comportamentos e reações. Ela defendeu a regulação de Neurodireitos e a tutela dos dados neurais tendo em vista o crescimento de tecnologias patenteadas por empresas privadas.

Sobre o autor
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Legal Grounds Institute

Produzindo estudos sobre políticas públicas para a comunicação social, novas mídias, tecnologias digitais da informação e proteção de dados pessoais, buscando ajudar na construção de uma esfera pública orientada pelos valores da democracia, da liberdade individual, dos direitos humanos e da autodeterminação informacional, em ambiente de mercado pautado pela liberdade de iniciativa e pela inovação.
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